quinta-feira, 16 de maio de 2013

Eu não uso mais fralda.

O Francisco está com três anos e sete meses.
Para nós, isso significa "quase quatro". Para ele, é muito mais do que isso. Ele infla o peito e repete, como se fosse um mantra "eu não sou mais um bebê".
Até uma semana atrás ele ainda usava fralda para dormir. E até uma semana atrás Fabrício e eu tínhamos decidido tirar a noturna só na primavera, para evitar colchão molhado, pijama molhado e todo o desgaste de passar por isso em noites geladas, onde tudo o que não se quer é ter que sair debaixo dos cobertores.
Mas como eu disse, isso foi até semana passada. Chegamos em casa uma noite e quando pegamos a fralda o Francisco simplesmente surtou:
- Eu não sou mais um bebê! Eu não vou usar "folda". Não vou, não vou. "Pur favoe!!!"
E tudo isso com lágrimas muito sinceras nos olhos, num lamento de dar dó.
Fabrício e eu nos olhamos e descombinamos o combinado imediatamente.
E sabem o que isso significa?
Desde a semana passada voltamos a acordar de madrugada. Ele começou a dormir a noite toda com um mês de vida e raramente acordava à noite. Mas agora, com três anos e sete meses, temos que acordar de madruga pra levar o mocinho para o banheiro. Ele vai dormindo e volta dormindo e pouco se lembra o que houve. Já eu, depois de acordar levo um tempão pra dormir de novo. E o mais frustante é que muitas vezes já é tarde demais e quando chegamos lá, o pijama já está mijado.
Mas agora não temos como voltar atrás. Ele já está todo orgulhoso de não usar fralda pra dormir e conta para cada um que encontra a grande novidade. Eu não tenho coragem de tirar isso dele.
E vai ter um momento em que ele simplesmente vai conseguir segurar o xixi à noite, assim como ele aprendeu a segurar durante o dia. Neste pouco tempo no papel de mãe eu aprendi que muitas conquistas do desenvolvimento dos pequenos acontecem de repente. Quando a gente vê, já foi. Foi assim com relação a dormir a noite toda, ao refluxo, à fala,  a comer sozinho, a largar a fralda diurna e a deixar a mamadeira. Simplesmente aconteceu no momento em que ele estava pronto. É o milagre do desenvolvimento e ao mesmo tempo, um exercício para mim, que adoro estar no núcleo da coordenação, que adoro que tudo aconteça como eu quero. O Francisco e suas fases tem me ensinado muito sobre paciência, resiliência, respeito, observação, tolerância, auto-controle e o que significa de verdade amar alguém. E eu simplesmente esqueço que abri não de um pouco do meu sono todos os dias quando entro no quarto dele e ele me abraça e me beija com aquele bafinho de sono e me diz:
"mamãe, eu te amo muito mais".

sexta-feira, 10 de maio de 2013

(Quase) Tudo sobre minha mãe.

Quando eu penso na minha mãe penso em uma mulher forte, talvez a mais forte que eu tenha oportunidade de conhecer. Mas ao mesmo tempo me vem uma mulher frágil, que se emociona com um comercial de TV, que enche os olhos d´agua quando diz eu te amo, que desde de que eu era muito pequena até hoje, caminha comigo de mãos dadas e sempre me recebe e se despede de mim com um selinho. Se ela não fosse filha única, eu até poderia pensar que era irmã da Hebe.
Quando eu penso na minha mãe eu me lembro de um lindo sábado de sol em que fomos tomar sorvete (meus pais, eu e meus irmãos) num daqueles dias comuns em família, mas que acabou se tornando o dia em que quase a perdemos, vítima de um aneurisma cerebral muito grave.
Quando eu penso na minha mãe me lembro do otimismo dela ao afirmar que iria dar tudo certo, mas também me lembro de ver lá no fundo dos seus olhos o medo e o desejo de ter uma nova chance para poder revisitar a sua história e construir uma nova ao nosso lado.
Me lembro da quase alta e logo depois, da tal recaída clínica e em seguida, o coma.
Me lembro dos meses em que eu e meus irmãos moramos com amigos queridos dos meus pais, achando que estávamos meio de férias, meio de castigo. Me lembro do meu pai sempre nos dizendo que estava tudo bem, mesmo sabendo que não estava e talvez nunca mais estivesse. Mas não existem pessoas com mais fé que meus pais. E me atrevo a dizer que nunca vi um casal se amar tanto quanto os dois. Acho que estas duas palavrinhas "fé" e "amor" tiraram minha mãe do coma e ela voltou pra casa.
Me lembro do dia em que ela chegou em casa: entrou pela garagem completamente careca, com uma enorme cicatriz na cabeça, falando como um bebê que está aprendendo a falar e mesmo assim, ela estava linda pra  mim.
Nos abraçamos nela e choramos mesmo não entendendo tudo o que ela tinha passado e tudo que ainda iria passar.
Sem fala e quase sem memória, minha mãe teve que reaprender tudo.
Me lembro do caderno de caligrafia igual ao meu da primeira série e ela se esforçando para escrever. Lembro das idas ao supermercado para ensinar o que era um tomate, uma alface, uma banana.
Apesar de ter perdido parcialmente a memória ela não tinha perdido o gosto pela cozinha e muitas vezes comemos comida adoçada dizendo que estava maravilhosa, porque ela trocava o sal pelo açúcar ou o açúcar pela farinha e a gente morria só de pensar em decepcioná-la.
Me lembro da primeira quase frase que ela falou no meio de um almoço: "esperção de perspeção" e mesmo não significando nada concreto, comemoramos pelo simples fato de ela ter conseguido falar algo. Eu, minha irmã e meu irmão éramos "dódi". Quando ela chamava "dódiiiiiiiiii" íamos os três para ver qual deles ela queria. E à medida em que o tempo passava, que as aulas de fonoaudiologia iam acontecendo, a minha mãe (aquela do sábado à tarde, sorridente tomando sorvete) ia voltando.
Ela se esforçava tanto que até parecia sentir dor às vezes. Mas nunca desistia. E quando percebemos, ela tinha atingido 90% de recuperação de um caso em que o médico havia afirmado que deveríamos ficar felizes com 20%, talvez 30%. E de lucro ficou com um sotaque no estilo "americana que mora há pouco tempo no Brasil" e que nos rendeu histórias engraçadas como o dia em que americanos puxaram assunto com ela numa locadora de vídeo, ou o dia em que ela fez uma "barbeiragem" no trânsito e foi liberada pelo policial por que não era "daqui" (comigo ao lado ajudando a mentir).
E por tudo isto, não existe no mundo todo, maior significado para a palavra Mãe do que a minha mãe e tudo o que ela representa: força, alegria, determinação, coragem, persistência, dedicação, paixão (pela vida, pelo marido, pelos filhos, pelos netos, pelos amigos e até pelos parentes), autenticidade, honestidade, compaixão, talento para receber e fazer com que todo mundo se sinta em casa.
Minha mãe é uma mulher que nos inspira a sermos mães tão poderosas quanto ela, tão amorosas quanto ela, tão generosas quanto ela.
Quero terminar pedindo desculpas a ela por todas as vezes em que eu não entendi o que ela queria falar e por todas as vezes em que não quis me esforçar para entender. Hoje eu a entendo até de olhos fechados, mas isso é algo que só a maturidade faz por nós. O que passou, passou... paciência.
E aproveito para agradecer ao meu pai por ter sido pai e mãe de três filhos durante muito tempo, por ter aguentado as nossas crises de adolescente, a nossa rebeldia sem razão e tantas outras barras complicadas para segurar sozinho. Hoje, tudo voltou ao normal e os "sábados de sol com sorvete" estão cada vez melhores e muito mais divertidos.