quarta-feira, 16 de abril de 2014

É muito fácil ferir o sentimento de uma criança.

É bem comum que nós, adultos, tenhamos a capacidade de diminuir a importância de determinadas situações na vida de uma criança. Por serem pequenos e com pouca vivência, muitas vezes cometemos o engano de ignorar sentimentos, taxando como irrelevantes certas situações.
Hoje percebi (mais uma vez) como podemos ferir e magoar uma criança - sem perceber - pelo simples fato de acharmos que é tudo muito simples ou sem importância.
Ontem percebi que o Francisco estava com um início de diarreia. Pode ter sido algo que ele comeu, pode ser de algum início de virose. Enfim.
Hoje cedo, acordei ele como de costume e ele foi tomar o café da manhã, enquanto eu me arrumava.
De repente, sem mais nem menos, ele chega pra mim e diz:
- Mãe, eu queria trocar minha roupa agora.
- Não quer tomar teu lanche primeiro? - e antes de eu terminar a frase ele já estava sem roupa e meio que escondendo a cueca.
- Filho, pq tu tirou a cueca? Tá molhada? Não acredito que tu deixou escapar xixi de novo.
Quando ele desaba chorando e eu percebo o que tinha acabado de fazer.
- Não foi xixi, mãe. Eu "querio" fazer cocô e caiu na cueca.
Fiquei tão mal. Acolhi ele no meu colo, abracei, beijei e pedi desculpas por não ter entendido o problema dele. Disse que não fazia mal, que ele estava com um dodói na barriga e que por isso tinha acontecido aquilo. Que eu mesma já tinha passado por isso quando era criança e que não tinha problema nenhum. Não precisava se envergonhar e nem ficar triste. Eu ia lavar a cueca e estaria tudo resolvido.
Ele foi se acalmando. Voltou pra terminar de lanchar e foi assistir um desenho.
Peguei a agenda dele e fui anotar a questão da diarreia, para cuidarem da alimentação e fossem rápidos quando ele quisesse ir ao banheiro, quando ele chega pra mim e diz:
- Mãe, tu não tá escrevendo que eu tenho diarréia, né?
- Não filho, só estou avisando a profe que mandei a camiseta que ela te emprestou semana passada na mochila.
- Tu promete que não vai avisar que eu tenho diarréia.
- Prometo.
Aí chamei a profe num cantinho e pedi que ela não comentasse com ele o que eu havia escrito na agenda.
E no caminho para o trabalho fiquei pensando como é fácil magoar uma criança se não dermos a real importância para as suas questões. Para nós, pode parecer uma bobagem, mas para elas, é algo muito sério e que precisa ser acolhido, fazendo com que eles sintam que estão tendo espaço para dialogar e que, genuinamente, nos importamos com eles.
Tenho tentado exercitar esta sensibilidade, esta capacidade de me colocar no lugar dele, de tentar me sentir como ele pode estar se sentindo, todos os dias. Às vezes tratar uma criança como adulto é algo meio que automático, pois é difícil encontrar o limite entre tratar como criança pequena demais e "mimar", atrasando o desenvolvimento, e tratar como adulto cedo demais, acelerando etapas e não dando espaço para a criança experimentar o seu tempo. Cada fase é totalmente nova, com outras questões, outros sentimentos, a relação com a criança também muda e neste processo de mudanças constantes, os erros fazem parte do aprendizado. Acho que o segredo é tentar não se culpar em excesso, mas sim, refletir sobre nossas atitudes e pensar em como poderíamos fazer diferente numa próxima vez para minimizar o sofrimento de ambos.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Eu quero a minha mãe.

Já é a segunda vez que ficamos com nossos sobrinhos Teteu (6 anos) e Laura (3 anos) lá em casa para proporcionar uns momentinhos de "casal sem filhos" para minha irmã e seu marido, afinal de contas, com dois filhos o "buraco é mais embaixo". E é sempre uma festa. Noite do pijama significa ir dormir mais tarde, espalhar todos os brinquedos possíveis pela casa, assistir filminho na TV e fazer lanches bem delícia (que eles escolhem). Desta vez, além de tudo isso (que já foi instituído como um padrão básico do evento) levamos todos ao teatro. A peça em questão era Romeu, Pipoca e Julieta. Baseado no romance de William Shakespeare, a peça contava a história de um casal apaixonado que havia se conhecido no baile da linguiça (isso mesmo), e em função do ódio entre suas famílias, era impedido de namorar. O palhaço Pipoca era o cupido da história e fazia de tudo para juntas os dois. Embora os meninos estivessem amando e morrendo de rir com a história, percebi que tinha uma pessoinha se sacudindo no meu colo: era a Lalá, soluçando de tanto chorar. Demorei pra perceber. Ela chorava tão baixinho e a peça era bem barulhenta. Perguntei:
- O que foi, Lalá. Não está gostando do teatro?
- Não. Eu queria sair daqui, didi.
- Tudo bem. Vamos dar uma voltinha, então. Eu nem estou gostando tanto desta peça, mesmo.
Peguei a pequena pela mão e saímos do teatro.
Então, ela olha pra mim e fala a frase que é o pior pesadelo de quem fica com crianças pra dormir em casa:
- Eu quero a minha mamãe. Me leva pra minha mamãe.
Só que a mamãe estava vivendo um momento a dois com o papai e eu não gostaria de atrapalhar de jeito nenhum. Então, respirei fundo e fui tentando mudar o foco.
- Lalá, o que tu acha de a agente dar uma voltinha na quadra? Só eu e tu?
- Pode ser, didi.
Saímos caminhando, bem devagarinho. Eu mostrando algumas flores e coisinhas que eu ia percebendo pelo caminho que podiam interessar a ela e fazê-la esquecer da mãe (pelo menos naquele momento).
Depois de um tempinho andando, ela diz:
- Vamos voltar, Didi?
- Tu quer voltar pro teatro?
- Não. Quero ficar ali na frente esperando os meninos.
- Tá bem. Tem um sofá ali (no saguão) e podemos sentar ali e esperar.
Sentamos e eu mexendo na bolsa, descobri um pirulito.
- Quer um pirulito?
- Sim.
- Didi?
- O que foi, Lalá?
- Posso ouvir músicas no teu celular?
- Claro.
Coloquei Daft Punk, que ela adora e ficamos as duas atiradas no sofá ouvindo.
- Acho que agora não tenho mais medo.
- Tu quer voltar pro teatro e ver o Pipoca?
- Sim. Quero, sim.
Entramos, procuramos um lugar mais afastado do palco e ela assistiu o resto da peça e morreu de rir.
No final até fotos com a Julieta ela quis tirar.
E não perguntou mais da mãe até o outro dia.